





( conheça o trabalho de rono figueiredo - www.ronofigueiredo.blogspot.com)
O que dizem estas mulheres?
Esta foi a minha primeira questão ao deparar-me diante das telas do artista plástico Rono Figueiredo, enigmaticamente nomeada como As faces de Maria.
Olhos grandes, expressivos, profundamente inebriantes. Um olhar que se choca com as cores e formas multifacetadas, que se sobrepõe aos heteróclitos cenários, profusão de etnias e posições de classes sociais.
Mulheres singulares, faces e almas marcadas que conduzem suas atividades cotidianas, dramas, vivências que se matizam com a análise auto-reflexiva de sua condição feminina.
Olhos lúgubres, contemplativos, uma melancólica que se arrasta entre paisagens e contextos nos conduzindo a jogos de introspecção. Olhos que denunciam, provocam-me e que, de certa forma, acompanham-me no meu canto sufocado, acompanhando a voz de Elis Regina entrecortada por arranhões de um vinil empenado:
“Hoje de manhã, eu acordei.
Olhei a vida e me espantei.
Eu tenho mais de vinte anos,
Eu tenho mais de mil perguntas sem respostas...”
“Lucy in the Sky” é uma tela demasiadamente entorpecente. Por algumas vezes, ocorreu-me a sensação de deslumbrar em cores vivas algumas cenas de clássicos do cinema noir, onde mulheres atraentes e enigmáticas parecem refletir solitariamente sobre suas inquietações saboreando e procurando seu reflexo num Martini. Para os contemporâneos (?), Lucy poderia bem representar algumas das passagens do aclamado seriado Sex and City: uma nova-iorquina blasé que divaga sobre suas desventuras com os homens, a carreira e contradições de uma balzaquiana tomando um Cosmopolitan enquanto aguarda por suas amigas (ou não).
Apesar da sensualidade exalada por seu tubinho vermelho, Lucy nos hipnotiza com um olhar machadiano, fugindo de uma manifesta demonstração de sex-apeal, mas lançando-nos uma deliciosa e ardente questão: Existiria uma psiquê inerente às mulheres quaisquer que fossem as classes sociais, épocas e cenários aos quais teoricamente pertencem?
Frida, Maria Bunita, Psicodélica, Poética e Mulata d’água traduzem-se (não por completo, porque daí deixariam de ser enigmáticas) nos versos da poetisa portuguesa Florbela Espanca, que, ao cantar nos versos uma ode aos olhos de seu amado, nos diz :
“Os olhos são indiscretos.
Revelam tudo o que sentem.
Podem mentir teus lábios.
Os olhos, estes, não mentem”
Mais uma vez, o que nos dizem as mulheres de Rono Figueiredo?
É interessante notar o meu encantamento com as cores, a vivacidade e os traços marcantes de suas telas. Notei algumas influências, mas não me convenci em relação às análises que sintetizam a expressividade de seu trabalho apenas com adjetivações do tipo : Fulgurante! Vivaz!! Uma leitura que esbarra na imediaticidade do primeiro olhar, e que ignora o cinza e o nublado do cotidiano. É claro que noto uma miscelândia de cores que me trazem à mente as telas “pop” do artista plástico pernambucano Romero Brito. Paradoxalmente, vejo o recurso das cores como algo manifesto que não nos diz muito sobre o que está latente nas telas.
A angústia do olhar de suas telas perpassa as cores e as formas do pop-art de Rono Figueiredo.
Poderia, a título de tornar o meu texto mais acessível, tecer breves considerações sobre Frida e Maria Bonita (notemos que a tela de Rono tem um quê de diferencial até mesmo na grafia dos nomes, lá temos uma Maria Bunita), resgatando elementos de ordem biográfica que poderiam nos auxiliar neste processo de (des) construção analítica sobre a redescoberta do feminino, mas extasiou-me o paradoxo que emana das telas “Poética” e “Mulata d’água”.
Uma representa o arquétipo do padrão estético e sócio-antropológico notadamente exaltado e explorado como algo a ser alcançado para o conjunto das mulheres da sociedades contemporâneas. Mulata d’ água é a representação em formas femininas de uma realidade social marcadamente caracterizada pela invisibilidade do indíviduo, a alteridade que é dominante nas regiões pobres e periféricas da Triste Bahia. Há o elemento étnico que sobressai-se pela associação do almejado e reconhecido versus pauperização e miséria de uma população majoritariamente afro descendente.
Ambas expressam, apesar dos traços delicados e, ao mesmo tempo vivazes, um olhar de denúncia e censura que me parecem descolados do cenário que uma primeira e engessada interpretação pode nos oferecer destas telas.
Mulata d’água é mãe, pai, filha, neta, avó, mas também é mulher, negra, pobre e trabalhadora numa sociedade que exclui, avilta e a marginaliza de múltiplas formas. É bem provável que seus olhos melancólicos e a expressão de paralisia, escondam um grito abafado pelos aparelhos ideológicos de repressão. Um olhar que sussurra algo para além do que acreditamos que sejam problemas inerentes às essas mulheres.
Não muito distante, temos “Poética” encarcerada em rótulos e padrões estéticos, coisificada por uma beleza dita “cândida”, mas nada reconfortante. À “Poética” admitem apenas a possibilidade de ser objeto, um ser reificado, um enlatado cujo prazo de validade é determinado por processos e sistemas alheios à sua vontade.
Tenho a impressão de que a influência do artista italiano Amadeo Modigliani ultrapassa o campo das formas e da revalorização das cores, mas há, sobretudo, em As faces de Maria, a subjetividade e a exploração de elementos da psique humana. Modigliani explorou em suas telas os delicados e duros traços de suas mulheres, em especial Jeanne Héburtene, a quem dedicou muitas telas, sua musa e amante.. Intensa e imbuída de profunda carga trágica, após a morte de Modigliani, Jeanne suicidou-se
Num esboço inicial, confesso que, mesmo considerando os meus parcos conhecimentos sobre o elemento técnico, interessei-me na tessitura de relações entre escolas, cores e traços, mas a degustação de um tinto saboroso e barato aliado a audição de poemas musicados de Florbela Espanca, causou-me uma síncope e um transbordar de sensações ao deslizar meus atentos (e sob divagações etílicas) olhares através do pulular de cores e feições que me iniciaram na erótica da arte e na reflexão das interfaces do mosaico de peças aparentemente desconexas de uma suposta da condição feminina.
Quando me deparei com “Lucy in the Sky”, tive um breve acesso de que ali estaria a representação da intimidação e provocação simulada e cínica, mas em nossa comunicação silenciosa senti tristeza, fui tomada pelos anseios, pelos pensamentos irrefletidos em meio às limitadas representações das quais cotidianamente queremos nos libertar.
Somos uma, nenhuma, centenas ou milhares de uma imagem refletida num velho espelho em busca de uma felicidade que não quer ser mais clandestina. Una e paradoxal como Psicodélica.
Pensando no título da exposição “As faces de Maria”, ousei-me a ser ultrajante e polemizar com a moral cristã-católica e também propor uma face de Maria: mãe solteira que subordinada aos paradigmas societais dos casamentos como resultado de uma barriguinha saliente e indesejada por um José que esconde-se no papel de homem condescendente que esposa uma mulher que devido às pressões tem que socorrer a um imaginário Espírito Santo para ocultar a descoberta do sexo com José e transgredir dentro do intransponível para não ser apedrejada. Ufaaaa! Período longo? Assaz simplificante? O cálice está vazio e Lucy, Poética, Mulata d’água, Maria Bunita, Paraguaçu, Frida me espiam e também se reivindicam faces de Maria, faces de uma representação da condição asfixiante e conservadora das mulheres.
Renascem as personagens, as anônimas - sob os traços de Rono – reivindicando sem chavões, clichês a sua autonomia, sexualidade, psique e visibilidade rotineiramente frustradas pela moral castradora que reina fora das telas nos olhares de quem as vêem.
1 commento:
e cual serian as "leituras diferentes"?
talvez estan outras, mas acho que a leitura da Bambola è a unica corecta .
nao concordo com o pensamiento relativista e estetizante do pintor
semplice
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